June 6, 2022
Neste mês, utilizaremos o espaço para responder aos principais questionamentos enviados pelos leitores da Carta Mensal, com uma linguagem mais simples se compararmos aos termos técnicos usualmente utilizados em publicações sobre o mercado. A dúvida de um pode ser a dúvida de muitos, e essa interação é de grande relevância para a construção de portfólios consistentes ao longo do tempo. Foram várias perguntas que serão respondidas dentro de quatro temas:
1. A queda das bolsas nos Estados Unidos pode influenciar o comportamento da inflação americana no médio prazo?
Para responder a esta questão, é importante trazer o conceito de efeito-riqueza. Em resumo, ele nos diz que os agentes econômicos estão mais propensos a consumirem quando percebem que o valor do seu patrimônio está aumentando. Ou seja, gastam mais porque se sentem mais ricos.
Recentemente, notamos uma queda nos índices acionários americanos:
Tendo em vista que mais de 50% dos americanos investem em ações e que as expectativas influenciam o comportamento dos consumidores, com a queda das ações poderemos ter uma redução do consumo por parte dos estadunidenses, aliviando a demanda por produtos e serviços – e, por conseguinte, removendo alguma pressão inflacionária.
O efeito-riqueza é bastante estudado pela academia americana. Conforme Cieslak & Vissing-Jorgensen (2020), desde a década de 1990 os retornos negativos das ações são acompanhados de rebaixamentos nas expectativas de crescimento do Fed e preveem acomodações de políticas econômicas. A análise textual dos documentos do FOMC revelou que os formuladores de políticas estão atentos ao mercado de ações.
Federal Open Market Committee (Comitê Federal de Mercado Aberto), responsável por estabelecer a política monetária dos EUA no âmbito do Federal Reserve, o banco central americano. Equivalente ao nosso COPOM.
2. Como as expectativas sobre a inflação impactam as rentabilidades dos ativos financeiros?
Aswath Damodaran, professor da New York University, em seu artigo In Search of a Steady State: Inflation, Interest Rates and Value (2022) utilizou um quadro bastante elucidativo:
é professor de finanças corporativas e valuation na Stern School of Business.
Damodaram argumenta que, para entender o impacto da inflação sobre os valores dos ativos, é preciso decompô-la em seus componentes esperados e inesperados. Os primeiros aparecem nos retornos esperados que você exige dos investimentos, e os segundos atuam como fatores de risco. Nesse sentido, é a quebra de expectativas que ocasionará as maiores oscilações nos preços.
3. Como o real se desvaloriza ou valoriza perante o dólar?
No curto prazo, vários sinais e ruídos podem impactar o preço do dólar em relação ao real, com os preços definidos pela oferta e pela demanda. Focarei em aspectos mais estruturais, que definirão o preço entre as moedas para um horizonte de tempo maior e que devem ser observados conjuntamente.
Liquidez da moeda norte americana: quanto maior a oferta de moeda na economia americana, maior será a possibilidade de um enfraquecimento do poder de compra do dólar perante outras moedas. Isso ocasionaria, por exemplo, uma valorização do real. Se o Federal Reserve praticar uma política monetária mais restritiva (como aumento de juros ou retirada de recursos do mercado), a liquidez será reduzida e poderá valorizar o dólar frente a outras moedas.
Diferencial entre as taxas de juros de Brasil e Estados Unidos: O diferencial entre as taxas de juros praticadas nos países pode definir o acirramento do fluxo de capitais em direção a um deles, através das operações denominadas carry trade. Esta operação ocorre quando um investidor pega dinheiro emprestado em um país com juros baixos e aplica o montante em outro país com taxas de juros mais altas. Portanto, quanto maiores as taxas brasileiras em relação às americanas, maior a chance de o real se valorizar.
Diferencial de crescimento entre Brasil e Estados Unidos: países com forte crescimento tendem a atrair mais recursos internacionais, já que tendem a demonstrar maiores oportunidades de investimentos. Assim, exemplificando, se os Estados Unidos crescerem mais do que Brasil, o dólar tende a se valorizar; e se o Brasil se aproximar do crescimento americano ou superá-lo, tende a ocorrer um fluxo de dólares para o nosso país e o real se valorizaria ante o dólar.
Solidez fiscal: quanto maior a solidez fiscal do Brasil (capacidade de se endividar e honrar as dívidas), maior a probabilidade de que investidores estrangeiros remetam dólares para nosso país – e esse fator também contribui para a apreciação do real.
Notem que, mesmo dentro de uma visão de longo prazo, são vários os fatores que impactam no valor relativo das moedas.
4. Qual o impacto de uma desaceleração da economia americana para o Brasil?
Inicialmente, temos que elencar quais os principais motivos que podem levar a economia americana a uma forte desaceleração: elevações dos juros básicos, menor oferta de mão de obra e resistência inflacionária. Estes fatores, conjuntamente, impactarão negativamente as taxas de crescimento do PIB, já que ocasionam queda tanto do consumo das famílias quanto dos investimentos das empresas.
O arrefecimento do crescimento americano poderá reduzir o fluxo de comércio com o Brasil, afetando as exportações de bens e serviços brasileiros para os EUA. A possível redução da demanda por produtos brasileiros fará com que as empresas nacionais produzam menos, o que pode gerar efeitos colaterais em nosso país – como o desemprego.
Importante ressaltar que, conforme informações datadas de dezembro de 2021 pelo Ministério da Economia, os Estados Unidos são o segundo maior importador de bens brasileiros, sendo a China o principal parceiro econômico do Brasil.
Portanto, apesar da grande importância dos Estados Unidos, e levando em consideração apenas esses números, um arrefecimento da economia chinesa geraria impacto ainda mais significativo na economia brasileira.
Esperamos ter contribuído com a elucidação de temas importantes e sensíveis aos nossos investidores e leitores.
Referências
Cieslak, Anna and Vissing-Jorgensen, Annette, The Economics of the Fed Put (April 2020). CEPR Discussion Paper No. DP14685, Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3594319
https://aswathdamodaran.blogspot.com/2022/05/in-search-of-steady-state-inflation.html
Economista pela PUC Minas, especialista em Finanças pela Fundação Dom Cabral, certificação em economia, contabilidade e análise de negócios HBS CORe pela Harvard Bussines School. Certified Financial Plannner CFP®, desde 2017. Possui 13 anos de experiência no mercado financeiro com passagens por Caixa Econômica Federal, JP Morgan Private e Banco do Brasil Private.